quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Vocês sabem lá como se vive no Algarve!


Meus caros amigos, conhecidos, turistas, estrangeiros e demais pessoas que conhecem, ou acham que conhecem o Algarve, antes de vos lembrardes de falar deste santo reinado ou mais especificamente da minha rica terrinha, gostava de esclarecer-vos o seguinte:

- Vocês sabiam que os nossos supermercados têm preços especificamente para vós? Sim, sim, aquela batelada de dinheiro que aqui o algarvio paga todos os meses cada vez que vai aviar as compras, só acontece porque estamos em Lagos, e as pessoas que mandam nessas superfícies acham que ganhamos bem e saímos cedo e podemos pagar 2.70€ por um pão! Ou melhor, eles acham que nós não vivemos cá, isto passou a ser uma colónia de bifes e eles podem pagar! Então, atancha-se bem a unha que os camones têm dinheiro! Mas, no fim, quem se lixa é o Algarvio!

- Vocês sabiam que só temos trabalho certo durante o Verão?! Ah e tal é verdade que muita gente não quer fazer um cu durante o inverno, mas a realidade é que esta santa terrinha morre!
No passa nada! Capiche?! Os restaurantes fecham porque não há pessoas, os bares fecham porque não há pessoas, o comércio fecha porque não há pessoas; e as pessoas não vêm para cá porque está tudo fechado! Tal e qual uma pescadinha de rabo na boca.
E como só trabalhamos no Verão, durante o Inverno vamos ali chupar o subsídio de desemprego porque não há nada para fazer! E quem se lixa é o Algarvio!

- Vocês sabiam que os nossos ordenados médios rondam os 700.00€/mês e que, neste momento, nos pedem 800.00€ de renda por um T2! Ah, não sabiam?
Então de maneiras que os construtores desta bela terra começaram a perceber que podiam fazer o triplo do dinheirinho investindo na construção dum prédio se o fizessem de “luxo”: uma piscinazita, uns acabamentos XPTO, umas varandas porreiras, vista mar (que esta porra em Lagos também é água por todo o lado) e voilá! Sai um apartamento de 70m2 a 350.000€!
Wow! Amazing! Dizem os zés bifes! E cá os locals que s’a fodam! Porque com 700.00€ por mês nem a porra da varanda do apartamento conseguimos pagar!
Mas, vamos culpar os construtores? Não! Estão a fazer pela vidinha deles! Vamos culpar os proprietários dos apartamentos que os pagaram, pagam condomínio e os estragos dos eventuais inquilinos? Também não! Então arrotamos o dinheiro que temos e não temos! E quem se lixa é o Algarvio!

- Vocês sabiam que, com a imigração em forte aqui para o Algarve, a malta que aqui chega à procura de uma vida melhor, divide os ditos apartamentos com 3 famílias e assim conseguem uma renda “simpática”! E quem nasceu cá, trabalha cá e quer viver cá, ou volta a viver com os pais - que essa cena de dividir casa nunca fez parte da nossa cultura - ou muda de cidade e compra um apartamento na cidade vizinha por menos 30 ou 40.000€ do que na santa terrinha! Portanto, quem se lixa é o Algarvio que poupa na casa para gastar na gasolina!

- Vocês sabiam que com a inflação acentuadíssima por parte das imobiliárias, deixamos de ter casas à venda a menos de 100.000€ e qualquer apartamento com mais de 20 anos, totalmente de origem e a precisar de obras ronda os 150.000€? E nós, malta nos 35, que apanhou as putas das crises quando deveria ter juntado dinheiro, não tem onde cair morto? Portanto os ditos capitais próprios que o banco nos exige vão p’ó caralhinho! Estudasses! Trabalhasses! Mas, sabem, agente até estudou e trabalha desde os 16 - que isto aqui sempre se fez part-times no Verão - mas, se não houver papás ou avós endinheirados ou heranças a bater a porta, não há trabalho que chegue, porque, entretanto, mesmo sem casa própria estamos a papar com os tais 700.00€ de renda duma casa arrendada! Do you see what I mean? E quem se lixa? Ah pois, o Algarvio!

- Vocês sabiam que neste momento os preços das casas para vender estão tão estupidamente ridículos, que quando se consegue uma casa a menos de 180.000€, começa a pensar-se que se encontrou um achado! NÃO CACETE! NÃO! Os nossos ordenados não chegam para pagar essas prestações ok? Não sei se de repente começou a ser chique fazer esta merda, mas é ouvir coisas como: “olha um achado, casinha porreira, só a precisar de umas obritas, 160.000€!” Mas que merda é esta?! Mas quem é que vocês querem enganar? 160.000€ de empréstimo ronda os 800.00€ de prestação, para não falar que precisam de cerca de 40.000€ de capitais próprios! Quando o vosso bicho do dinheiro der crias, digam-me! Quero 3!
Porque os bichos dos estrangeiros dão com fartura, e é por isso que isto está assim! Nem empréstimo fazem e batem os 160.000€ fácil!
Vamos culpar os bifes por quererem morar cá? Não! Eu sou daqui, sei que isto é um paraíso na terra! Vamos culpar os proprietários por acharem que, neste momento, podem pedir o triplo do valor real pelas suas casas? Também não! E quem se lixa é o Algarvio!

- Vocês sabiam que Lagos é a 2ª cidade do país com o m2 mais caro?
Ganha-se bem lá, qualquer pessoa abre um negócio que resulta sempre, trabalha-se só de verão e falam uma serie de línguas! Foda-se, que gente porreira! Bora para lá! Dizem os camones cheios do pilim!

- Vocês sabiam que no Verão, por esta porra ser tão espetacular, nós, os locals que mamamos com estas merdas todas e ainda vos recebemos a sorrir, deixamos de ter lugar para estacionar os nossos carros à porta de casa e temos que estacionar onde judas perdeu as botas e vir de lá a pé, com as compras (que foram o triplo do que deviam) e com as crianças que estiveram 9 ou 10 horas numa creche a fazer birras capazes de acordar o demo, porque nós fizemos horas extraordinárias?

E ainda que, nas poucas folgas que conseguimos ter e queremos ir um bocadinho à praia, aqui na nossa santa terrinha, também não temos lugar para o carro e quando temos, chegamos ao areal e ainda temos de levar com as vossas toalhas no trombil mesmo quando há espaço com fartura para desabelharem dali para fora! E se nos indignamos com isto somos mal-educados e o caralhinho!
Sabiam que também não podemos ir jantar fora? Ora adivinhem, não há cá jantares a menos de 50 paus por casal! Porque isto não é para a nossa carteira, e se não temos dinheiro, não jantamos fora, simples! E por não termos capital para despejar ali 200€ de fininho, nunca teremos prioridade perante os zés bifes, porque esses sim, vão gastar dinheiro a sério e esses é que merecem a puta da mesa, ainda que só estejam cá durante uma semana!
A culpa é do turista que gasta dinheiro como quem bebe água? Não! Eles podem! É dos donos do restaurante que se estão a cagar para os conterrâneos? Também não, ora pela vidinha fazemos todos! E quem se lixa, como sempre, é o Algarvio!

Por isso meus amores, da próxima vez que nos visitarem lembrem-se que se vocês gostam de cá vir, nós gostamos muito mais de cá viver, e se ainda aqui estamos é porque este cantinho é nosso, por mais que nos façam querer sentir o contrário!
Sempre que nos visitarem lembrem-se que podemos precisar de vocês para receber ordenados – como vocês tanto gostam de dizer - mas também é por vossa causa que tudo o que se vende aqui é inflacionado.
E lembrem-se ainda que somos nós que estamos no nosso país, não vos fomos raptar ao vosso, por isso respeitem-nos e aceitem quando dissermos que não falamos a vossa língua – porque já falamos muitas – e aprendam vocês a nossa, afinal, são vocês que estão cá!
Lembrem-se também que, apesar de pobrezinhos, também vamos de férias, sabemos o que é um hotel, um transfer ou um TI. Somos pobres, não somos burros!
Lembrem-se que não temos absolutamente nada contra vocês, só gostaríamos que as coisas não tivessem escalado a este nível, onde somos orgulhosamente algarvios mesmo quando se torna insustentável continuar a sê-lo!

Até breve!

Uma-algarvia-de-gema-fodida-por-não-conseguir-comprar-casa!




terça-feira, 15 de outubro de 2019

Aos filhos que não nasceram



Nunca falei sobre este assunto publicamente, talvez por ser recente, talvez por vergonha, talvez por ser demasiado doloroso.

Nunca estamos preparados para as perdas – sejam elas quais forem – no entanto, a perda gestacional parece sempre, aos ouvidos de quem só escuta de fora o que aconteceu, menos grave, menos importante.

“Não tinha de ser”; “não era a altura certa”; “antes agora que mais tarde” são frases que ouvimos de quem nos tenta consolar e, honestamente, nem sabe como. Acredito que a intenção é sempre a melhor, mas nada do que ouvimos nos sossega.

Soube que estava grávida no dia 17 de Julho de 2019. Abortei no dia 22 do mesmo mês.

Durante uma semana soube que mais uma vida gerava dentro de mim, fiz planos na minha cabeça, pensei nas coisas que teria de comprar, relembrei as angústias da gravidez e brinquei com isso. Soube, desde logo, que seria um menino…

No dia 22 por volta das 12h comecei a sangrar e fui imediatamente para o hospital.

A história que se segue podia ser fruto de um argumento retorcido para um filme, para uma tragédia, para uma chamada de atenção ao sistema de saúde. Mas não foi, foi real. Foi comigo.

Ainda que nada atenue a perda gestacional, infelizmente, esta é uma realidade de muitas mulheres. O que não pode ser uma realidade é aquilo que se segue, excerto da reclamação feita ao hospital em causa:

 “Dei entrada no hospital pelas 12h20, informei o que se estava a passar e fui encaminhada para as urgências. O Dr. de serviço atendeu-me e disse-me que teria de fazer uma análise ao sangue para confirmar a gravidez. Indignei-me e perguntei-lhe se não seria observada por ninguém. Disse-me que teria de aguardar pela análise.

O que se seguiu foram 2 horas de espera, onde nada aconteceu, a não ser o meu aborto.

Fui educada para acreditar que os médicos salvam vidas e promovem o bem-estar dos seus doentes, tentando sempre agilizar qualquer dor ou desconforto que estes possam sentir. Obviamente que nenhuma das situações se passou comigo.
Senti-me abandonada num sítio onde deveria ter sido acolhida e bem tratada. 
Será normal entender que num hospital, onde uma das pacientes grita por diversas vezes que está a ter uma hemorragia, ninguém tenha perguntado se precisava de um penso? Duma compressa? Dumas cuecas descartáveis?
Será normal ninguém se ter importado com o facto de estar a ter um aborto espontâneo? Por algum acaso alguma das pessoas que ali estava, nomeada e especificamente os médicos, se questionou se aquela seria a minha primeira gravidez ou não? Se já tinha filhos? Se tinha feito tratamento para engravidar? Não! Ninguém se importou com coisa nenhuma. Senti-me abandonada, negligenciada, maltratada, onde me deixaram num canto qualquer de uma sala de espera enquanto me esvaía em sangue e assimilava na minha cabeça que estava a perder o meu bebé, sozinha e desamparada!

Ninguém se importou com isto! Ninguém quis saber!
Será este comportamento normal ou esperado num hospital?
Não pode ser! Não posso conceber que é isto que fazem com pessoas nas mesmas circunstâncias que eu. E ainda assim, não me posso calar e deixar esta situação passar em branco como se de uma situação leviana se tratasse.
Na minha cabeça eu não deixo de pensar que se tivesse sido vista assim que cheguei ao hospital, lugar que confiei e que me dirigi numa situação desesperada, neste momento ainda poderia estar grávida.

Ainda assim, gostava de perguntar-vos, na vossa opinião por que motivo existem cuidados paliativos nos hospitais? Se tentamos proporcionar aos doentes terminais o maior conforto possível no final das suas vidas, porque é que uma mãe grávida e a abortar espontaneamente nas instalações dum hospital não é dotada do mesmo tratamento, onde não é sequer observada, confortada, ouvida? Confio que não acharão esta comparação exagerada, afinal falamos de vidas, certo? Uma a acabar e outra a começar, mas que infelizmente, não começou…

Não posso encarar esta situação de outra forma se não como uma negligência brutal de todos os médicos, funcionários e demais envolvidos perante o quadro que eu apresentei assim que fiz a inscrição nos vossos serviços.
Se o vosso hospital não tinha capacidade de resposta perante as minhas queixas deveriam ter-me encaminhado para outro hospital, assim que aí cheguei, ainda assim, se a funcionária não era a pessoa certa para tomar esta decisão, o Sr. Dr., como profissional de saúde que é, ao tomar conhecimento do que se passava comigo, só deveria ter tido então a mesma atitude e encaminhar-me para o sítio correto. Mas, mais uma vez, meus senhores, ninguém se quis importar. Ninguém quis saber. Ninguém fez aquilo que estaria obrigado a fazer! Salvar uma vida!
Para além de tudo isto, fiquei com a certeza que ninguém sabia muito bem o que estava a fazer, pois o médico de clinica geral afirmou, durante uma hora, que já tinha passado o processo para a ginecologia e quando cheguei à ginecologia ninguém sabia quem eu era ou de onde vinha, incluindo o ginecologista, que só depois da auxiliar falar com ele é que inseriu os meus dados no computador. Nada disto foi simplesmente deduzido por mim, pois quando liguei para o hospital, posteriormente a este episódio, o único registo que têm é a minha entrada no serviço de atendimento permanente, nada mais!
Não consegui escrever esta reclamação antes, pois ainda é demasiado doloroso relembrar toda a angústia, todo o sangue a escorrer-me pelas pernas, toda a vida do meu bebé a se esvair dentro de mim. A vergonha duma situação tão privada se ter tornado pública com o objetivo de a ver resolvida e ainda assim, ter que sair de um hospital cheia de sangue, lavada em lágrimas e completamente descontrolada, por, depois de esperar 2 horas, ninguém ter tido a decência, a vontade, a preocupação de me atender…”


Este texto não serve para consolar quem teve uma perda gestacional, porque não há consolo possível. Pensamos que estamos bem, e de repente vem um sonho sobre o assunto; pensamos que estamos bem e não evitamos as lágrimas quando alguém nos conta que passou pelo mesmo; pensamos que estamos bem, mas não encaramos uma próxima gravidez com a mesma leveza. Este texto serve para alertar e denunciar situações como a minha que nunca, mas nunca, poderiam acontecer. Um hospital, público ou privado, nunca poderá receber uma paciente grávida com uma hemorragia e deixá-la entregue à sua sorte enquanto se aguardam resultados de análises.

A minha escrita é agressiva e demonstra toda a minha revolta perante este episódio, pois a minha luta é contra o hospital. 
Para o meu filho que não nasceu foram todas as lágrimas que nem sabia ser possível derramar, foi a apatia dos dias que se seguiram, o desnorteamento perante tudo e todos, o vazio que não se consegue explicar. Foi o choro baixinho no banho, foram os abraços mais demorados e apertados à minha filha. Foi o amor que não terminou.

Aguardo ainda a resposta a esta reclamação e por esse motivo o nome do hospital (privado) não foi revelado, no entanto, por mim e pelas mulheres que certamente já passaram por situações semelhantes, continuarei nesta luta para que a minha voz se faça ouvir, já que na altura devida, falhou.








Só as mães sabem

Amar-te. É sentir saudades tuas todos os segundos, mesmo que estejas a meu lado. É ser irracional e querer cuidar-te sempre. Para sempre. Co...