quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Agora que és mãe, ainda te lembras de ti?


Observo o meu reflexo no espelho e sinto que não me reconheço. O peito firme, de outrora, deu lugar a qualquer coisa que parece não me pertencer, a barriga - ainda que nunca tenha sido muito definida - agora surge sob dobras flácidas de várias camadas adiposas. As ancas alargaram, bem como os pés e os braços. As olheiras fazem parte da minha nova maquilhagem, uma vez que a outra, aquela que envolvia base, blush, lápis e rímel, deixou de existir.
Esta sou eu. Agora. Depois de ter sido mãe.
 
Saí do trabalho à velocidade da luz para ir buscar a miúda à creche, na tentativa de não ser das últimas a ir embora. Cheguei a casa, aturei uma birra dela porque não se queria despir, preparei os aquecedores de casa, para que não sentisse frio e dei-lhe banho. Coloquei a fralda, o creme na pele que teima em ser atópica, vestia-a, dei-lhe os beijinhos todos que consegui e desisti de brincar com ela, porque entretanto, tive que fazer o jantar.
Depois do jantar, brincámos um bocadinho, encho-a de beijos e abracinhos e levo-a para a cama. Ela faz mais uma birra, salta na cama, grita, chora, até adormecer ao fim de uma hora. São 21h30, vou jantar para de seguida tomar banho.
 
Demoro-me o tempo que me é possível e escolho não olhar com olhos de quem realmente vê, para o meu corpo. Prefiro escolher sentir a sensação de relaxamento enquanto a água quente me escorre pelas costas. Coloco o creme nas pernas e percebo que a visita à esteticista já foi adiada demasiadas vezes. Encolho os ombros. O espelho, aquele objecto que ultimamente não tem sido muito utilizado, está ali. Permito-me olhar para mim. Nua.
Começo, mentalmente, a vaguear pelos meus planos: voltar para o ginásio, fazer a drenagem linfática, a limpeza de pele, oh! e aquele curso de fotografia que queria há tanto tempo? O livro! Tenho mesmo que tratar da edição do livro! E aquela série nova que estreou? Estou curiosíssima…sou arrancada deste mundo de fantasia pelo choro dela. Será que chora há muito tempo? Será que não a ouvi? Oh céus, onde será que tinha a cabeça?
A culpa, silenciosa e cruel, consegue ser sempre a companhia agridoce de uma mãe.
Os planos ficam novamente guardados.
Eles não ficam esquecidos, nunca ficam esquecidos. Ficam simplesmente guardados, naquela gaveta da nossa vida onde ficam as nossas vontades e desejos desde que nos tornamos mães, e que por sinal se tornou gigante.
 
Nunca queremos acreditar que connosco irá ser assim. Julgámos os outros, com feroz certeza que há tempo para tudo, desde que se queira. Temos todas as receitas, infalíveis, da maternidade: o tempo para nós, o tempo para namorar, o tempo para o bebé.
O tempo…
Costumo dizer que sempre fui uma mãe perfeita, até ter tido filhos!
 
Não quero deixar de tratar de mim, mas a minha filha é prioridade. Não quero deixar de ler um bom livro, mas brincar com a minha filha é prioridade. Não quero deixar de assistir a uma série, mas dar o jantar à minha filha é prioridade. Não quero deixar de sair com as minhas amigas, mas a febre da minha filha é prioridade. Não quero deixar de namorar com o meu marido, mas estarmos os três em família, é prioridade.
A maternidade faz-se de prioridades, de escolhermos realmente aquilo que importa. Num mundo perfeito existe um equilíbrio entre as prioridades e as vontades, mas nem sempre conseguimos viver num mundo assim. A culpa anda sempre de mãos dadas com os nossos desejos.
Que mães seremos nós se deixarmos os nossos filhos com os avós, durante uma semana, para irmos de férias com o marido? No entanto, esta sociedade que nos aponta o dedo, é a mesma que encolhe os ombros em sinal de aprovação, quando deixamos os nossos filhos durante oito horas numa creche porque temos que trabalhar.
Enquanto fizermos parte desta comunidade que aplaude o trabalho, mas condena o lazer, sem perceber que um não deveria existir sem o outro, teremos sempre mães exaustas e carregadas de culpa.
 
Nenhuma mulher deixou de olhar para si, porque quis, porque preferiu, porque deixou de se importar. Muitas delas deixaram de o fazer, porque não tiveram outra opção. Seja porque não têm com quem deixar os filhos, seja porque no meio de uma avalanche de emoções e hormonas conferidas pela maternidade, deixaram de gostar delas.
 
Maridos: elogiem as vossas esposas cada vez que elas disserem que estão gordas, feias ou tristes. Realcem o que de melhor elas têm, e lembrem-se sempre que o corpo de uma mulher gerou uma vida. Não está igual, mas irá melhorar. Ajudem-nas a gostar delas próprias, fiquem com os filhos durante duas horas para que elas possam ir ao ginásio, beber café com uma amiga, ou ver o mar. Acreditem que vai fazer diferença. Partilhem as tarefas de casa. Há muito que esta responsabilidade deixou de ser exclusiva da mulher e desta forma conseguem mais tempo para os dois. Brinquem com os vossos filhos, façam-nos rir. Nada aquece mais o coração de uma mãe do que ver o amor entre os dois amores da vida dela.
 
Avós: ofereçam-se para ficar com os netos. Eles adoram e vocês também. Descansem os pais e não telefonem de cinco em cinco minutos porque a miúda está a chorar. Os miúdos choram e em 95% das vezes, está tudo bem. Permitam aos vossos filhos e filhas, o descanso de umas horas, ou uns dias, sem as rotinas da maternidade. Nenhum deles está farto de ser pai ou mãe, estão somente cansados. Nós sabemos que vocês já tiverem filhos e que os souberam educar, mas nós vamos sempre achar que só nós, mães, sabemos o que é melhor para os nossos, e sabemos. Por isso, desvalorizem as nossas palestras sobre como lhes mudar a fralda, dar a papa ou as bolachas sem açúcar.
 
Mães: não tenham vergonha de pedir ajuda, ninguém é assim tão perfeito que não precise dela. Libertem-se da culpa. Se estão cansadas e precisam de dormir, tirem um dia de férias e levem o miúdo para a creche. Ele não vai ficar mais triste por causa disso e vocês passarão a ser mães mais felizes.
 
E tu? Agora que és mãe, ainda te lembras de ti?
 
 
 

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Mães divorciadas - essa espécie de super poder


Nas histórias de encantar, o príncipe e a princesa ficam sempre juntos no final e, ao que parece, felizes para sempre. No entanto, ninguém ficou para contar o que acontece depois destes personagens terem filhos.
 
Um casamento com filhos é difícil. Não há outra forma de colocar as coisas. Por mais amor, compreensão e carinho que exista, um filho transforma toda e qualquer realidade de um casal.
Existem duas frentes bem distintas dessa mesma realidade. Por um lado, temos o marido e a mulher no papel de pais, onde se celebra cada vitória do filho, onde se dá gargalhadas por cada descoberta, onde a cumplicidade os leva a observar a criança com curiosidade na tentativa de perceber com quem tem mais semelhanças. Por outro lado, temos o casal a nu, sem a “capa” protectora que o filho lhes confere.
O casal que deixou de conversar sobre a vida em comum ou que deixou de planear férias ou fins-de-semana a dois. O casal cansado que deixou o sexo para segundo ou terceiro plano, pois deixou de fazer disso uma prioridade. O casal que já não se cumprimenta com um beijo ou um carinho, porque existe outra pessoa a quem dar atenção, quando se chega a casa. O casal que, quando se apercebe, está a criar os filhos em conjunto, divide casa, despesas e responsabilidades, mas deixou de dividir a cama, a intimidade ou os sonhos.
Existe a afeição mútua, mas não o amor.
 
Ainda que um divórcio nunca seja fácil, pois representa sempre, independentemente das circunstâncias, um sentimento de perda, nesta situação específica é fácil chegar ao desgaste da relação e ao seu consequente término. Naturalmente, os filhos serão sempre o melhor do casal e não o motivo pelo qual a relação acaba, mas, sim, o fio condutor que levou à deterioração de algo que, possivelmente, já não estaria a funcionar em pleno.
E quando esta união acaba, como fica a mulher?
 
A mulher que passou a ser ex-mulher, que passou a ser solteira, mas com uma conotação um tanto ou quanto negativa conferida pelo divórcio. Na mãe solteira, apela-se, quer queiramos, quer não, à pena ou, se preferirmos, à solidariedade e à mãe divorciada apela-se ao quê?
Uma mãe divorciada, embora não sinta que falhou enquanto mãe ou mulher, será sempre vista dessa forma pela sociedade. Não serão poucas as vezes que ouvimos comentários menos agradáveis sobre este assunto, ou seja, não havendo para esta sociedade um motivo credível ou palpável o suficiente que justifique um divórcio, tal como violência doméstica ou traição (e ainda assim, este último seria discutível), a mulher divorciou-se, porque quis, porque tem outro homem ou porque deixou de gostar do marido. Como se estes motivos não fossem tão válidos como quaisquer outros.
Uma mãe divorciada tem sempre mais a justificar, ainda que não tenha, à sociedade. Um pai apresenta-se como divorciado e o mundo continua a girar, uma mulher faz o mesmo e há sempre, vindo de qualquer canto, um olhar reprovador. Portanto, será justo dizer que este caminho é sempre mais difícil de ser percorrido por uma mulher.
 
Existe agora uma nova ligação ao ex-marido, aquele que já não amamos, mas que fará, para sempre, parte das nossas vidas, porque é o pai do nosso filho. Como se gere esta relação?
Embora o divórcio tenha sido o único caminho a seguir, haverá sempre alguma mágoa, algum ressentimento pela falha do relacionamento e muitas vezes a culpa dessa falha é colocada no outro.
Teremos que conseguir pôr de parte qualquer sentimento menos bom relativamente a essa pessoa em prol do bem-estar do nosso filho. Teremos que conseguir ser cordiais o suficiente para nos limitarmos às conversas que concernem à criança e não ultrapassar o limite daquilo que passará a ser a vida privada de cada um, agora que deixou de ser comum. Teremos ainda que gerir novas rotinas, novos horários. Teremos que estabelecer os dias de visita do pai, a guarda-conjunta ou partilhada e qual a casa que será a morada da criança.
 
Nem sempre esta nova gestão corre bem, o casal que já existiu no passado cada vez mais se distancia pela lógica do passo dado e, dessa forma, ainda que fosse de esperar que o entendimento fosse a reacção mais esperada, por vezes torna-se insustentável este novo relacionamento.
Sou mãe e sou divorciada e, apesar destas circunstâncias de vida não terem acontecido em simultâneo, sei que as mães divorciadas são aquelas que serão capazes de enfrentar o mundo, são as guerreiras, são aquelas que não aceitaram a condição de serem casadas e com filhos para que isso definisse o seu conceito de felicidade e decidiram arriscar. Arriscar o divórcio e a vontade de ser feliz outra vez. São aquelas que arregaçam as mangas e fazem o que for preciso para que nada falte aos filhos, seja a relação com o ex-marido pacífica ou não. São as mulheres que sabem que conseguem alcançar o que quiserem e que não se baseiam na aprovação ou reprovação de ninguém para justificar ou creditar as suas acções.
 
São as mulheres que se chorar for preciso, fazem-no sozinhas, no banho, enquanto a água cai e se mistura com as lágrimas.
Porque ninguém melhor do que elas, sabe o quão difícil um divórcio com filhos pode ser; o quão difíceis as noites em branco com o termómetro em punho, podem ser; o quão difícil é criar um filho desamparada, ainda que com um pai por perto.
Porque estas mulheres e mães sabem o poder e o valor que têm e acreditam piamente que dias melhores estarão para vir e esses, com certeza, serão os que irão prevalecer.


Artigo originalmente publicado no Repórter Sombra
 
 
 
 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

No meu tempo...



No meu tempo…

Sinto sempre alguma nostalgia, quando ouço esta frase, faz-me viajar para um passado não muito longínquo, que me traz tão boas memórias. No meu tempo, brincávamos na rua até tarde e bastava um grito das nossas mães para voltarmos para casa sem discussão, sem fincar o pé, sem desrespeito.
No meu tempo, comíamos batatas fritas da Matutano, Bollycaos e Galaks e isso era sinónimo de felicidade, nada mais, nada menos.
No meu tempo havia sempre um “Bolinha”, um “Texugo”, um “Rato” ou um “Piolho” na turma e ninguém se ofendia com isso. Aceitava-se, com um misto de orgulho e vergonha, a alcunha que tinha sido atribuída e seguíamos em frente.
No meu tempo, íamos a pé para a escola, encontrávamos o resto da turma pelo caminho e contávamos o que tinha acontecido no dia anterior.

O novo ano lectivo iniciou-se há uns dias e à semelhança dos anos anteriores era ver os estacionamentos das escolas cheios à pinha com os pais a lá deixar os filhos. A banalidade de ter transporte próprio, que não era tão comum anteriormente, tornou este processo corriqueiro, já que ninguém imagina o seu filho ou filha a ir a pé seja para onde for. Contudo, terá sido só a banalidade da coisa a contribuir para esta mudança?
Julgo que o contributo maioritário, infelizmente, terá sido o medo.
Ousarei dizer que os meus pais não tiveram medo por mim, quando me deixaram ir a pé para a escola, sozinha, quer fizesse chuva ou sol? Não, claro que não! Como qualquer pai certamente temiam por mim, mas a verdade é que a sociedade da minha altura, ainda que já a caminhar para a pobreza de gentes, era melhor. Ou, pelo menos, era menos exposta, que é como quem diz: “olhos que não vêm, coração que não sente.”

Havia raptos, roubos, violações e todas aquelas cenas horripilantes que fazem o coração de uma mãe ter pequenas arritmias só por pronunciá-las, mas o mundo dessa altura não tinha um Facebook Live que nos permite visualizar uma qualquer desgraça a ocorrer, até, do outro lado do mundo, em directo ou um canal de informação 24 sobre 24 horas em que para ouvirmos uma notícia feliz, ouvimos antes 30 infelizes, transformando o nosso cérebro neste lugar sombrio, escuro e perigoso, onde, maioritariamente, são registadas emoções negativas e inconscientemente ligadas aos nossos filhos.
O mundo evoluiu, é um facto, e essa evolução, ainda que com muitos pontos positivos, permitiu-nos também este acesso desmesurado à informação, que nos fez ter medo. Medo por nós, pelos nossos filhos, medo do mundo. E ainda que tenhamos a coragem de colocar crianças neste planeta, a forma como as queremos educar roça sempre bem ao de leve a educação efectivamente dada.

Nenhum pai quer, objetiva e propositadamente, que o seu filho não se saiba defender, que não saiba qual o número do autocarro para casa ou como utilizar o PBX da escola, que se intimide, porque foi chamado de menino do papá, ou que chore, porque se perdeu e não sabe pedir indicações,  mas quais serão as consequências da super-protecção dada a estas crianças em que todo e qualquer progenitor não faz mais, porque não pode, senão estas?
Todos queremos o melhor para os nossos filhos, dúvidas houvessem relativamente a esse assunto, e, por isso mesmo acabamos por criar uma geração de alienados da realidade e do mundo, porque, no fundo, optamos por educá-los super-protegidos, mas com a certeza, porém, que enquanto eles não trocam os passos pelas asas, controlamos o seu caminho.

 
 
Artigo originalmente publicado no Repórter Sombra
 
 


Só as mães sabem

Amar-te. É sentir saudades tuas todos os segundos, mesmo que estejas a meu lado. É ser irracional e querer cuidar-te sempre. Para sempre. Co...