quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Vocês sabem lá como se vive no Algarve!


Meus caros amigos, conhecidos, turistas, estrangeiros e demais pessoas que conhecem, ou acham que conhecem o Algarve, antes de vos lembrardes de falar deste santo reinado ou mais especificamente da minha rica terrinha, gostava de esclarecer-vos o seguinte:

- Vocês sabiam que os nossos supermercados têm preços especificamente para vós? Sim, sim, aquela batelada de dinheiro que aqui o algarvio paga todos os meses cada vez que vai aviar as compras, só acontece porque estamos em Lagos, e as pessoas que mandam nessas superfícies acham que ganhamos bem e saímos cedo e podemos pagar 2.70€ por um pão! Ou melhor, eles acham que nós não vivemos cá, isto passou a ser uma colónia de bifes e eles podem pagar! Então, atancha-se bem a unha que os camones têm dinheiro! Mas, no fim, quem se lixa é o Algarvio!

- Vocês sabiam que só temos trabalho certo durante o Verão?! Ah e tal é verdade que muita gente não quer fazer um cu durante o inverno, mas a realidade é que esta santa terrinha morre!
No passa nada! Capiche?! Os restaurantes fecham porque não há pessoas, os bares fecham porque não há pessoas, o comércio fecha porque não há pessoas; e as pessoas não vêm para cá porque está tudo fechado! Tal e qual uma pescadinha de rabo na boca.
E como só trabalhamos no Verão, durante o Inverno vamos ali chupar o subsídio de desemprego porque não há nada para fazer! E quem se lixa é o Algarvio!

- Vocês sabiam que os nossos ordenados médios rondam os 700.00€/mês e que, neste momento, nos pedem 800.00€ de renda por um T2! Ah, não sabiam?
Então de maneiras que os construtores desta bela terra começaram a perceber que podiam fazer o triplo do dinheirinho investindo na construção dum prédio se o fizessem de “luxo”: uma piscinazita, uns acabamentos XPTO, umas varandas porreiras, vista mar (que esta porra em Lagos também é água por todo o lado) e voilá! Sai um apartamento de 70m2 a 350.000€!
Wow! Amazing! Dizem os zés bifes! E cá os locals que s’a fodam! Porque com 700.00€ por mês nem a porra da varanda do apartamento conseguimos pagar!
Mas, vamos culpar os construtores? Não! Estão a fazer pela vidinha deles! Vamos culpar os proprietários dos apartamentos que os pagaram, pagam condomínio e os estragos dos eventuais inquilinos? Também não! Então arrotamos o dinheiro que temos e não temos! E quem se lixa é o Algarvio!

- Vocês sabiam que, com a imigração em forte aqui para o Algarve, a malta que aqui chega à procura de uma vida melhor, divide os ditos apartamentos com 3 famílias e assim conseguem uma renda “simpática”! E quem nasceu cá, trabalha cá e quer viver cá, ou volta a viver com os pais - que essa cena de dividir casa nunca fez parte da nossa cultura - ou muda de cidade e compra um apartamento na cidade vizinha por menos 30 ou 40.000€ do que na santa terrinha! Portanto, quem se lixa é o Algarvio que poupa na casa para gastar na gasolina!

- Vocês sabiam que com a inflação acentuadíssima por parte das imobiliárias, deixamos de ter casas à venda a menos de 100.000€ e qualquer apartamento com mais de 20 anos, totalmente de origem e a precisar de obras ronda os 150.000€? E nós, malta nos 35, que apanhou as putas das crises quando deveria ter juntado dinheiro, não tem onde cair morto? Portanto os ditos capitais próprios que o banco nos exige vão p’ó caralhinho! Estudasses! Trabalhasses! Mas, sabem, agente até estudou e trabalha desde os 16 - que isto aqui sempre se fez part-times no Verão - mas, se não houver papás ou avós endinheirados ou heranças a bater a porta, não há trabalho que chegue, porque, entretanto, mesmo sem casa própria estamos a papar com os tais 700.00€ de renda duma casa arrendada! Do you see what I mean? E quem se lixa? Ah pois, o Algarvio!

- Vocês sabiam que neste momento os preços das casas para vender estão tão estupidamente ridículos, que quando se consegue uma casa a menos de 180.000€, começa a pensar-se que se encontrou um achado! NÃO CACETE! NÃO! Os nossos ordenados não chegam para pagar essas prestações ok? Não sei se de repente começou a ser chique fazer esta merda, mas é ouvir coisas como: “olha um achado, casinha porreira, só a precisar de umas obritas, 160.000€!” Mas que merda é esta?! Mas quem é que vocês querem enganar? 160.000€ de empréstimo ronda os 800.00€ de prestação, para não falar que precisam de cerca de 40.000€ de capitais próprios! Quando o vosso bicho do dinheiro der crias, digam-me! Quero 3!
Porque os bichos dos estrangeiros dão com fartura, e é por isso que isto está assim! Nem empréstimo fazem e batem os 160.000€ fácil!
Vamos culpar os bifes por quererem morar cá? Não! Eu sou daqui, sei que isto é um paraíso na terra! Vamos culpar os proprietários por acharem que, neste momento, podem pedir o triplo do valor real pelas suas casas? Também não! E quem se lixa é o Algarvio!

- Vocês sabiam que Lagos é a 2ª cidade do país com o m2 mais caro?
Ganha-se bem lá, qualquer pessoa abre um negócio que resulta sempre, trabalha-se só de verão e falam uma serie de línguas! Foda-se, que gente porreira! Bora para lá! Dizem os camones cheios do pilim!

- Vocês sabiam que no Verão, por esta porra ser tão espetacular, nós, os locals que mamamos com estas merdas todas e ainda vos recebemos a sorrir, deixamos de ter lugar para estacionar os nossos carros à porta de casa e temos que estacionar onde judas perdeu as botas e vir de lá a pé, com as compras (que foram o triplo do que deviam) e com as crianças que estiveram 9 ou 10 horas numa creche a fazer birras capazes de acordar o demo, porque nós fizemos horas extraordinárias?

E ainda que, nas poucas folgas que conseguimos ter e queremos ir um bocadinho à praia, aqui na nossa santa terrinha, também não temos lugar para o carro e quando temos, chegamos ao areal e ainda temos de levar com as vossas toalhas no trombil mesmo quando há espaço com fartura para desabelharem dali para fora! E se nos indignamos com isto somos mal-educados e o caralhinho!
Sabiam que também não podemos ir jantar fora? Ora adivinhem, não há cá jantares a menos de 50 paus por casal! Porque isto não é para a nossa carteira, e se não temos dinheiro, não jantamos fora, simples! E por não termos capital para despejar ali 200€ de fininho, nunca teremos prioridade perante os zés bifes, porque esses sim, vão gastar dinheiro a sério e esses é que merecem a puta da mesa, ainda que só estejam cá durante uma semana!
A culpa é do turista que gasta dinheiro como quem bebe água? Não! Eles podem! É dos donos do restaurante que se estão a cagar para os conterrâneos? Também não, ora pela vidinha fazemos todos! E quem se lixa, como sempre, é o Algarvio!

Por isso meus amores, da próxima vez que nos visitarem lembrem-se que se vocês gostam de cá vir, nós gostamos muito mais de cá viver, e se ainda aqui estamos é porque este cantinho é nosso, por mais que nos façam querer sentir o contrário!
Sempre que nos visitarem lembrem-se que podemos precisar de vocês para receber ordenados – como vocês tanto gostam de dizer - mas também é por vossa causa que tudo o que se vende aqui é inflacionado.
E lembrem-se ainda que somos nós que estamos no nosso país, não vos fomos raptar ao vosso, por isso respeitem-nos e aceitem quando dissermos que não falamos a vossa língua – porque já falamos muitas – e aprendam vocês a nossa, afinal, são vocês que estão cá!
Lembrem-se também que, apesar de pobrezinhos, também vamos de férias, sabemos o que é um hotel, um transfer ou um TI. Somos pobres, não somos burros!
Lembrem-se que não temos absolutamente nada contra vocês, só gostaríamos que as coisas não tivessem escalado a este nível, onde somos orgulhosamente algarvios mesmo quando se torna insustentável continuar a sê-lo!

Até breve!

Uma-algarvia-de-gema-fodida-por-não-conseguir-comprar-casa!




terça-feira, 15 de outubro de 2019

Aos filhos que não nasceram



Nunca falei sobre este assunto publicamente, talvez por ser recente, talvez por vergonha, talvez por ser demasiado doloroso.

Nunca estamos preparados para as perdas – sejam elas quais forem – no entanto, a perda gestacional parece sempre, aos ouvidos de quem só escuta de fora o que aconteceu, menos grave, menos importante.

“Não tinha de ser”; “não era a altura certa”; “antes agora que mais tarde” são frases que ouvimos de quem nos tenta consolar e, honestamente, nem sabe como. Acredito que a intenção é sempre a melhor, mas nada do que ouvimos nos sossega.

Soube que estava grávida no dia 17 de Julho de 2019. Abortei no dia 22 do mesmo mês.

Durante uma semana soube que mais uma vida gerava dentro de mim, fiz planos na minha cabeça, pensei nas coisas que teria de comprar, relembrei as angústias da gravidez e brinquei com isso. Soube, desde logo, que seria um menino…

No dia 22 por volta das 12h comecei a sangrar e fui imediatamente para o hospital.

A história que se segue podia ser fruto de um argumento retorcido para um filme, para uma tragédia, para uma chamada de atenção ao sistema de saúde. Mas não foi, foi real. Foi comigo.

Ainda que nada atenue a perda gestacional, infelizmente, esta é uma realidade de muitas mulheres. O que não pode ser uma realidade é aquilo que se segue, excerto da reclamação feita ao hospital em causa:

 “Dei entrada no hospital pelas 12h20, informei o que se estava a passar e fui encaminhada para as urgências. O Dr. de serviço atendeu-me e disse-me que teria de fazer uma análise ao sangue para confirmar a gravidez. Indignei-me e perguntei-lhe se não seria observada por ninguém. Disse-me que teria de aguardar pela análise.

O que se seguiu foram 2 horas de espera, onde nada aconteceu, a não ser o meu aborto.

Fui educada para acreditar que os médicos salvam vidas e promovem o bem-estar dos seus doentes, tentando sempre agilizar qualquer dor ou desconforto que estes possam sentir. Obviamente que nenhuma das situações se passou comigo.
Senti-me abandonada num sítio onde deveria ter sido acolhida e bem tratada. 
Será normal entender que num hospital, onde uma das pacientes grita por diversas vezes que está a ter uma hemorragia, ninguém tenha perguntado se precisava de um penso? Duma compressa? Dumas cuecas descartáveis?
Será normal ninguém se ter importado com o facto de estar a ter um aborto espontâneo? Por algum acaso alguma das pessoas que ali estava, nomeada e especificamente os médicos, se questionou se aquela seria a minha primeira gravidez ou não? Se já tinha filhos? Se tinha feito tratamento para engravidar? Não! Ninguém se importou com coisa nenhuma. Senti-me abandonada, negligenciada, maltratada, onde me deixaram num canto qualquer de uma sala de espera enquanto me esvaía em sangue e assimilava na minha cabeça que estava a perder o meu bebé, sozinha e desamparada!

Ninguém se importou com isto! Ninguém quis saber!
Será este comportamento normal ou esperado num hospital?
Não pode ser! Não posso conceber que é isto que fazem com pessoas nas mesmas circunstâncias que eu. E ainda assim, não me posso calar e deixar esta situação passar em branco como se de uma situação leviana se tratasse.
Na minha cabeça eu não deixo de pensar que se tivesse sido vista assim que cheguei ao hospital, lugar que confiei e que me dirigi numa situação desesperada, neste momento ainda poderia estar grávida.

Ainda assim, gostava de perguntar-vos, na vossa opinião por que motivo existem cuidados paliativos nos hospitais? Se tentamos proporcionar aos doentes terminais o maior conforto possível no final das suas vidas, porque é que uma mãe grávida e a abortar espontaneamente nas instalações dum hospital não é dotada do mesmo tratamento, onde não é sequer observada, confortada, ouvida? Confio que não acharão esta comparação exagerada, afinal falamos de vidas, certo? Uma a acabar e outra a começar, mas que infelizmente, não começou…

Não posso encarar esta situação de outra forma se não como uma negligência brutal de todos os médicos, funcionários e demais envolvidos perante o quadro que eu apresentei assim que fiz a inscrição nos vossos serviços.
Se o vosso hospital não tinha capacidade de resposta perante as minhas queixas deveriam ter-me encaminhado para outro hospital, assim que aí cheguei, ainda assim, se a funcionária não era a pessoa certa para tomar esta decisão, o Sr. Dr., como profissional de saúde que é, ao tomar conhecimento do que se passava comigo, só deveria ter tido então a mesma atitude e encaminhar-me para o sítio correto. Mas, mais uma vez, meus senhores, ninguém se quis importar. Ninguém quis saber. Ninguém fez aquilo que estaria obrigado a fazer! Salvar uma vida!
Para além de tudo isto, fiquei com a certeza que ninguém sabia muito bem o que estava a fazer, pois o médico de clinica geral afirmou, durante uma hora, que já tinha passado o processo para a ginecologia e quando cheguei à ginecologia ninguém sabia quem eu era ou de onde vinha, incluindo o ginecologista, que só depois da auxiliar falar com ele é que inseriu os meus dados no computador. Nada disto foi simplesmente deduzido por mim, pois quando liguei para o hospital, posteriormente a este episódio, o único registo que têm é a minha entrada no serviço de atendimento permanente, nada mais!
Não consegui escrever esta reclamação antes, pois ainda é demasiado doloroso relembrar toda a angústia, todo o sangue a escorrer-me pelas pernas, toda a vida do meu bebé a se esvair dentro de mim. A vergonha duma situação tão privada se ter tornado pública com o objetivo de a ver resolvida e ainda assim, ter que sair de um hospital cheia de sangue, lavada em lágrimas e completamente descontrolada, por, depois de esperar 2 horas, ninguém ter tido a decência, a vontade, a preocupação de me atender…”


Este texto não serve para consolar quem teve uma perda gestacional, porque não há consolo possível. Pensamos que estamos bem, e de repente vem um sonho sobre o assunto; pensamos que estamos bem e não evitamos as lágrimas quando alguém nos conta que passou pelo mesmo; pensamos que estamos bem, mas não encaramos uma próxima gravidez com a mesma leveza. Este texto serve para alertar e denunciar situações como a minha que nunca, mas nunca, poderiam acontecer. Um hospital, público ou privado, nunca poderá receber uma paciente grávida com uma hemorragia e deixá-la entregue à sua sorte enquanto se aguardam resultados de análises.

A minha escrita é agressiva e demonstra toda a minha revolta perante este episódio, pois a minha luta é contra o hospital. 
Para o meu filho que não nasceu foram todas as lágrimas que nem sabia ser possível derramar, foi a apatia dos dias que se seguiram, o desnorteamento perante tudo e todos, o vazio que não se consegue explicar. Foi o choro baixinho no banho, foram os abraços mais demorados e apertados à minha filha. Foi o amor que não terminou.

Aguardo ainda a resposta a esta reclamação e por esse motivo o nome do hospital (privado) não foi revelado, no entanto, por mim e pelas mulheres que certamente já passaram por situações semelhantes, continuarei nesta luta para que a minha voz se faça ouvir, já que na altura devida, falhou.








quinta-feira, 21 de março de 2019

Agora quem fala são vocês #1 - Susana Correia-Galli


Já ouviram falar em educação domiciliar? Sabem o que é? Como funciona?
A Susana Correia-Galli tem 34 anos, viveu na Escócia durante muitos anos e há relativamente pouco tempo regressou a Portugal. Mãe de 4, com idades compreendidas entre os 10 anos e os 15 meses, ensina em casa e explica como se gere uma vida com 4 filhos.
Curiosos?
Vamos lá!

Como é o dia-a-dia de uma mãe de 4? 
Só posso falar do meu dia-a-dia, penso que isso muda de família para família e é uma coisa muito pessoal, especialmente para quem pratica a educação domiciliar, ou educação em família. Nós temos dias muito variados, então é difícil de falar de um dia típico, talvez seja mais fácil explicar uma semana típica: temos atividades extracurriculares para as crianças, sessões de voluntariado de permacultura num projeto educativo, encontros ou atividades com amigos e outras famílias em ensino doméstico, e também usufruímos das várias atividades culturais existentes em Lisboa. O ensino mais formal, normalmente acontece durante uma a duas horas de manhã, mas na verdade nós aprendemos o tempo inteiro!

Como se organiza a vida com 4 filhos pequenos?
Esta pergunta faz-me rir porque eu não sou muito organizada! Mas penso que o meu dia a dia, agora com quatro, não é muito diferente de quando só tinha um!
Tenho a certeza que se eles fossem à escola seria diferente! Mas assim, como fazemos a maior parte das coisas juntos e eles não andam em 3 escolas diferentes, a vida é mais simples! A maior diferença é na quantidade de roupa, comida e afins.
Em termos de gastos, justifico gastar um pouco mais na qualidade dos brinquedos, por exemplo, porque tenho o argumento de que vai passar por quatro crianças! Temos que ver as vantagens em tudo, certo?
Na comida, tento cozinhar algo que dê para aquecer, ou transformar numa outra comida.
Relativamente à roupa, tento fazer uma máquina todos os dias para não criar o caos, mas na hora de dobrar e arrumar, cada um é responsável pela sua! Tento encorajar as crianças - nem sempre com os melhores resultados - a serem responsáveis pelas suas coisas, e ao fim do dia arrumámos os brinquedos todos juntos, para começar de novo no dia seguinte.

Não trabalhar fora de casa foi uma opção ou necessidade?  
Foi uma opção, por termos tomado a decisão de fazer educação em família em vez de colocarmos as crianças na escola. Mas há uma coisa que acontece, especialmente em Portugal, e que me chateia um bocadinho; parece-me que há a ideia de que só famílias de classe alta é que podem fazer ED (educação domiciliar) o que não podia ser mais diferente da realidade! E porquê que isto me chateia? Primeiro, porque dá uma ideia falsa, e porque este estilo de vida está ao alcance de mais famílias, se assim o quiserem. É óbvio que não vem sem sacrifícios! O que me leva à segunda razão: ao perpetuarmos essa ideia falsa, desvalorizamos o imenso esforço, e também os imensos estratagemas, que as famílias arranjam de maneira a fazer o ensino doméstico sustentável economicamente.
Cada família arranja mil e uma maneiras de fazer com que isto seja possível, desde trabalhar a partir de casa, partilhar o tempo com pai e mãe, etc. Por exemplo, no nosso caso desde que o bebé nasceu, há 15 meses, que não temos carro, e não é por falta de vontade! 

Para quem não sabe, podes explicar melhor o que é a Educação Domiciliar?
Em Portugal, a lei descreve homeschooling como ensino doméstico. Basicamente, as crianças não frequentam a escola e recebem a sua educação formal no seio familiar. Depois, dentro do ED temos uma imensa variedade de filosofias e pedagogias que as famílias podem escolher: Unschooling, Charlote Mason, Waldorf e por aí adiante. Pessoalmente, eu não gosto de nenhum título, então defino-me simplesmente como ensino em família, até porque, grande parte da educação das minhas crianças acontece fora de casa! O que mais me agrada nesta escola, é que podemos escolher a abordagem que mais se adequa a cada família e/ou criança. 
 
Seres tu a ensinar os teus filhos em casa, foi propositado ou uma consequência da tua vida?
O ED foi uma escolha enquanto casal, depois de muita pesquisa e conversa! Como deves imaginar não é uma decisão que se tome com leveza!
 
Como reagem as pessoas ao saberem que eles não andam na escola, dita normal?
Com uma certa surpresa, perguntam se sou eu que ensino, mas em geral só têm sido reações positivas.

Quais as vantagens e desvantagens que encontras em ensinar em casa?
Ui! Quanto espaço temos?
Várias, tanto para um lado, como para o outro.
Para já, queria começar por dizer que não tenho nada contra as pessoas que colocam as crianças na escola, e que tenho imenso respeito pelos professores, especialmente do ensino público! No entanto, vejo sim, muitas desvantagens no sistema de ensino actual, daí ter escolhido outro caminho. 
A maior vantagem é de poder fazer uma abordagem de aprendizagem o mais direcionada, quanto possível, a cada criança!
Fui muito inspirada nos livros do Jonh Holt, principalmente "Learning all the time" e "How children learn" e no trabalho do Thomas Armstrong e no seu livro "In their own way", e depois um pouco mais tarde "Free to learn" do Peter Gray.
O sistema escolar actual assenta num sistema inventado pelos Victorianos, que se baseava na memória, portanto, as crianças ao saírem da escola teriam que ter uma série de conhecimentos memorizados, saber ler e escrever bem e fazer contas de cabeça. No entanto, a nossa sociedade hoje em dia é muito diferente da do sec XIX, ainda assim, o sistema não difere muito!
Hoje em dia, e há estudos a comprovar isso, a maior valorização que um jovem pode ter é ser criativo (e não é só a nível de artes, mas até a nível científico - a criatividade pode aplicar-se a qualquer área), empreendedor, ter iniciativa própria, capacidade de resolver problemas, etc, coisas que são completamente esmagadas por um sistema que anda à volta do teste, onde errar é punível com má nota! Para além disso, quem é que se lembra da matéria toda que perdemos horas e horas a fio a estudar? E para que serve isso hoje em dia, se podemos ter toda a informação que queremos na ponta dos dedos? 
A principal desvantagem, é que hoje em dia a sociedade não está estruturada para o ensino doméstico!
Uma outra desvantagem é que normalmente um dos pais acaba por passar muito tempo com as crianças, e apesar de eu adorar estar com as minhas crianças no dia a dia, a verdade é que é um trabalho muito duro no que respeita à gestão das coisas banais do dia a dia: comida, roupa, limpeza, etc, e dar toda a atenção que eu gostaria de lhes dar!
E claro, o facto de só contarmos com um ordenado! Há certas regiões do Canadá e dos EUA em que as famílias recebem dinheiro do estado e/ou materiais escolares, porque as famílias em ED poupam dinheiro ao estado, em termos de recursos educacionais e de saúde, pois tendem a ter menos doenças, especialmente das contaminosas.

Consegues controlar o uso de tecnologias dos teus 4 filhos?
Este, por acaso, é um dos temas em que tenho a minha opinião mais dividida e não muito clara!
Por um lado, eu quero que eles aprendam a manipular as tecnologias e se autorregulem no seu uso, tal como diz o ditado "o fruto proibido é o mais apetecido" e eu prefiro não criar tabus em nada; o Peter Gray, que eu admiro bastante, vai até ao ponto de comparar as tecnologias de hoje em dia como uma ferramenta tão importante para a nossa sociedade atual, como os arcos e flechas eram para os nosso antepassados, daí que não deveríamos limitar o seu uso, e vejo que as minhas crianças aprendem bastante com as tecnologias;  por outro lado, não gosto muito de os ver especados a olhar para um ecran, horas a fio (apesar de que, se isso acontecesse, me facilitava muito a vida!) e também vejo que as suas brincadeiras são influenciadas por aquilo que eles vê. Então tento criar um balanço, a limitar o tempo. Tentamos usar as tecnologias tanto para fins lúdicos como educativos, através de jogos, documentários, pesquisas, etc.
 
Do que sentes mais saudades da altura que não tinhas filhos?
Poder cozinhar o que bem entendesse, quando quisesse! De passar horas a ler, e não ter que responder a um milhão de perguntas durante o dia.

O silêncio incomoda ou agrada?
Ahahahaha!!! Contrariamente ao que se possa pensar, eu gosto muito do silêncio!!! Mas não há nada melhor que o riso de um bebé ou de uma criança, e o murmurinho da brincadeira harmoniosa entre irmãos.

Consegues tirar algum tempo para ti?
Quando não se tem família por perto, é muito importante ter o apoio, consideração e compreensão do nosso parceiro de aventura, como por vezes também o apoio dos amigos; mas principalmente as horinhas depois de eles irem para a cama, é o que me salva no dia a dia.

Como ficaram as relações de amizade desde que és mãe?
Tive a sorte de conhecer muitas pessoas maravilhosas e ganhar muitas amizades através da comunidade de homeschooling, tanto na Escócia como em Portugal, por isso eu acho que só fiquei a ganhar!
 
O que mais te assusta quando pensas no futuro dos teus filhos?
Sem sombra de dúvida, o meio ambiente e a incapacidade dos governos em lidarem com a situação do aquecimento Global!
 
 
 
 

 

sexta-feira, 8 de março de 2019

Filha minha que nasceste com uma vagina, sabes o que isso significa?


Minha filha, hoje, dia 08 de Março, assinala-se o dia da Mulher.

Sabes, ainda és pequenina para falar contigo sobre estes assuntos, mas, verás que, termos nascido com uma vagina entre as pernas, consegue tornar a nossa vida bastante difícil, por vezes.

Durante muito tempo não soube exatamente o que era o dia da mulher. Porque, à conta de um determinado grupo de mulheres que também não deveria saber o que a data assinalava, eu via este dia como o dia da desbunda. O dia de sair à noite, de ver strip tease, de roçar as nossas partes nas partes dos homens, apanhar uma valente cadela (com o tempo logo te explico esta expressão) e mostrar ao mundo que somos mulheres e somos poderosas, o que quer que isso significasse neste contexto.

No entanto, confesso que sempre me fez confusão que, para explicar ao mundo o poderio das mulheres, tivéssemos que ir sair e ver…homens…não sei, não me parecia a melhor forma de mostrar, sei lá, a nossa independência.

O tempo passou e, com idade suficiente, fui pesquisar sobre o assunto e descobri que esta data se assinala para homenagear a morte de 146 mulheres, que perderam a vida queimadas, em 1911, enquanto lutavam pelos seus direitos.

Sabes, filha, isto aconteceu há 108 anos, e como tal, deveria ser de esperar que tal já não se verificasse, que já não fosse necessário cerrar o punho para mostrar que também temos direitos, e que valemos tanto quanto os homens. Mas é…

Um dia, quando tivermos esta conversa, quero acreditar com todas as minhas forças que aquilo que é a realidade dos dias de hoje, seja somente uma memória distante de tempos passados.

Porque a verdade é que em pleno século XXI, depois de tantas e tantas lutas das nossas antepassadas, as mulheres continuam a ser vistas como um ser inferior, como alguém que nasceu com o específico papel de cuidar da casa e ter filhos. Alguém que só percebe de tachos e panelas e da lida da casa.
Os tempos mudaram, mas ainda não mudaram o suficiente.
 
Quero que saibas que o facto de teres uma vagina no meio das pernas, e não um pénis, te confere, de igual modo, a poder de decisão em relação à tua vida, às tuas escolhas.

Que o facto de teres uma vagina, não deverá querer dizer que ao vestires uma saia ou um decote, estarás “a pedi-las”.

Que o facto de teres uma vagina, não deverá querer dizer que irás ganhar menos 13% de salário que um homem em igual posição.

Que o facto de teres uma vagina, não te obrigue a seres mãe se assim não o entenderes.

Que o facto de teres uma vagina, não te faça sentir promiscua porque dormiste com os homens que te apeteceu, quando te apeteceu, ao contrário do homem que fez o mesmo e nenhum mal veio ao mundo, simplesmente porque nasceu com um pénis e não com uma vagina.

Que o facto de teres uma vagina não te classifique de incapaz ou menos inteligente que um homem.

Que o facto de teres uma vagina não te marginalize se escolheres amar outra vagina.

Que o facto de teres uma vagina não seja motivo para apanhares de qualquer homem que passe pela tua vida.

Que o facto de teres uma vagina, e se o entenderes, gerares uma vida, não seja justificação para o teu contrato de trabalho terminar com uma qualquer “justa causa”, ou que o teu ordenado sofra consequências por estares a usufruir daquilo que é teu por direito, esse mesmo direito que tantos anos levou a conquistar.

Que o facto de teres uma vagina, não signifique que aceitarás a ajuda do homem ou mulher que decidir partilhar a vida contigo, porque não é de ajuda que se trata, mas sim de divisão de tarefas.

Que o facto de teres uma vagina não te dê nem mais nem menos do que terias ou serias, se tivesses um pénis.

Porque sabes, meu amor, nunca se tratou de extremismos, de querermos ser mais que os homens ou superiores a eles. Sempre se tratou, e tratará, de sermos iguais, com todas as diferenças que nos tornam únicos.
Um dia teremos esta conversa, eu, tu e o pai.



quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Agora que és mãe, ainda te lembras de ti?


Observo o meu reflexo no espelho e sinto que não me reconheço. O peito firme, de outrora, deu lugar a qualquer coisa que parece não me pertencer, a barriga - ainda que nunca tenha sido muito definida - agora surge sob dobras flácidas de várias camadas adiposas. As ancas alargaram, bem como os pés e os braços. As olheiras fazem parte da minha nova maquilhagem, uma vez que a outra, aquela que envolvia base, blush, lápis e rímel, deixou de existir.
Esta sou eu. Agora. Depois de ter sido mãe.
 
Saí do trabalho à velocidade da luz para ir buscar a miúda à creche, na tentativa de não ser das últimas a ir embora. Cheguei a casa, aturei uma birra dela porque não se queria despir, preparei os aquecedores de casa, para que não sentisse frio e dei-lhe banho. Coloquei a fralda, o creme na pele que teima em ser atópica, vestia-a, dei-lhe os beijinhos todos que consegui e desisti de brincar com ela, porque entretanto, tive que fazer o jantar.
Depois do jantar, brincámos um bocadinho, encho-a de beijos e abracinhos e levo-a para a cama. Ela faz mais uma birra, salta na cama, grita, chora, até adormecer ao fim de uma hora. São 21h30, vou jantar para de seguida tomar banho.
 
Demoro-me o tempo que me é possível e escolho não olhar com olhos de quem realmente vê, para o meu corpo. Prefiro escolher sentir a sensação de relaxamento enquanto a água quente me escorre pelas costas. Coloco o creme nas pernas e percebo que a visita à esteticista já foi adiada demasiadas vezes. Encolho os ombros. O espelho, aquele objecto que ultimamente não tem sido muito utilizado, está ali. Permito-me olhar para mim. Nua.
Começo, mentalmente, a vaguear pelos meus planos: voltar para o ginásio, fazer a drenagem linfática, a limpeza de pele, oh! e aquele curso de fotografia que queria há tanto tempo? O livro! Tenho mesmo que tratar da edição do livro! E aquela série nova que estreou? Estou curiosíssima…sou arrancada deste mundo de fantasia pelo choro dela. Será que chora há muito tempo? Será que não a ouvi? Oh céus, onde será que tinha a cabeça?
A culpa, silenciosa e cruel, consegue ser sempre a companhia agridoce de uma mãe.
Os planos ficam novamente guardados.
Eles não ficam esquecidos, nunca ficam esquecidos. Ficam simplesmente guardados, naquela gaveta da nossa vida onde ficam as nossas vontades e desejos desde que nos tornamos mães, e que por sinal se tornou gigante.
 
Nunca queremos acreditar que connosco irá ser assim. Julgámos os outros, com feroz certeza que há tempo para tudo, desde que se queira. Temos todas as receitas, infalíveis, da maternidade: o tempo para nós, o tempo para namorar, o tempo para o bebé.
O tempo…
Costumo dizer que sempre fui uma mãe perfeita, até ter tido filhos!
 
Não quero deixar de tratar de mim, mas a minha filha é prioridade. Não quero deixar de ler um bom livro, mas brincar com a minha filha é prioridade. Não quero deixar de assistir a uma série, mas dar o jantar à minha filha é prioridade. Não quero deixar de sair com as minhas amigas, mas a febre da minha filha é prioridade. Não quero deixar de namorar com o meu marido, mas estarmos os três em família, é prioridade.
A maternidade faz-se de prioridades, de escolhermos realmente aquilo que importa. Num mundo perfeito existe um equilíbrio entre as prioridades e as vontades, mas nem sempre conseguimos viver num mundo assim. A culpa anda sempre de mãos dadas com os nossos desejos.
Que mães seremos nós se deixarmos os nossos filhos com os avós, durante uma semana, para irmos de férias com o marido? No entanto, esta sociedade que nos aponta o dedo, é a mesma que encolhe os ombros em sinal de aprovação, quando deixamos os nossos filhos durante oito horas numa creche porque temos que trabalhar.
Enquanto fizermos parte desta comunidade que aplaude o trabalho, mas condena o lazer, sem perceber que um não deveria existir sem o outro, teremos sempre mães exaustas e carregadas de culpa.
 
Nenhuma mulher deixou de olhar para si, porque quis, porque preferiu, porque deixou de se importar. Muitas delas deixaram de o fazer, porque não tiveram outra opção. Seja porque não têm com quem deixar os filhos, seja porque no meio de uma avalanche de emoções e hormonas conferidas pela maternidade, deixaram de gostar delas.
 
Maridos: elogiem as vossas esposas cada vez que elas disserem que estão gordas, feias ou tristes. Realcem o que de melhor elas têm, e lembrem-se sempre que o corpo de uma mulher gerou uma vida. Não está igual, mas irá melhorar. Ajudem-nas a gostar delas próprias, fiquem com os filhos durante duas horas para que elas possam ir ao ginásio, beber café com uma amiga, ou ver o mar. Acreditem que vai fazer diferença. Partilhem as tarefas de casa. Há muito que esta responsabilidade deixou de ser exclusiva da mulher e desta forma conseguem mais tempo para os dois. Brinquem com os vossos filhos, façam-nos rir. Nada aquece mais o coração de uma mãe do que ver o amor entre os dois amores da vida dela.
 
Avós: ofereçam-se para ficar com os netos. Eles adoram e vocês também. Descansem os pais e não telefonem de cinco em cinco minutos porque a miúda está a chorar. Os miúdos choram e em 95% das vezes, está tudo bem. Permitam aos vossos filhos e filhas, o descanso de umas horas, ou uns dias, sem as rotinas da maternidade. Nenhum deles está farto de ser pai ou mãe, estão somente cansados. Nós sabemos que vocês já tiverem filhos e que os souberam educar, mas nós vamos sempre achar que só nós, mães, sabemos o que é melhor para os nossos, e sabemos. Por isso, desvalorizem as nossas palestras sobre como lhes mudar a fralda, dar a papa ou as bolachas sem açúcar.
 
Mães: não tenham vergonha de pedir ajuda, ninguém é assim tão perfeito que não precise dela. Libertem-se da culpa. Se estão cansadas e precisam de dormir, tirem um dia de férias e levem o miúdo para a creche. Ele não vai ficar mais triste por causa disso e vocês passarão a ser mães mais felizes.
 
E tu? Agora que és mãe, ainda te lembras de ti?
 
 
 

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Mães divorciadas - essa espécie de super poder


Nas histórias de encantar, o príncipe e a princesa ficam sempre juntos no final e, ao que parece, felizes para sempre. No entanto, ninguém ficou para contar o que acontece depois destes personagens terem filhos.
 
Um casamento com filhos é difícil. Não há outra forma de colocar as coisas. Por mais amor, compreensão e carinho que exista, um filho transforma toda e qualquer realidade de um casal.
Existem duas frentes bem distintas dessa mesma realidade. Por um lado, temos o marido e a mulher no papel de pais, onde se celebra cada vitória do filho, onde se dá gargalhadas por cada descoberta, onde a cumplicidade os leva a observar a criança com curiosidade na tentativa de perceber com quem tem mais semelhanças. Por outro lado, temos o casal a nu, sem a “capa” protectora que o filho lhes confere.
O casal que deixou de conversar sobre a vida em comum ou que deixou de planear férias ou fins-de-semana a dois. O casal cansado que deixou o sexo para segundo ou terceiro plano, pois deixou de fazer disso uma prioridade. O casal que já não se cumprimenta com um beijo ou um carinho, porque existe outra pessoa a quem dar atenção, quando se chega a casa. O casal que, quando se apercebe, está a criar os filhos em conjunto, divide casa, despesas e responsabilidades, mas deixou de dividir a cama, a intimidade ou os sonhos.
Existe a afeição mútua, mas não o amor.
 
Ainda que um divórcio nunca seja fácil, pois representa sempre, independentemente das circunstâncias, um sentimento de perda, nesta situação específica é fácil chegar ao desgaste da relação e ao seu consequente término. Naturalmente, os filhos serão sempre o melhor do casal e não o motivo pelo qual a relação acaba, mas, sim, o fio condutor que levou à deterioração de algo que, possivelmente, já não estaria a funcionar em pleno.
E quando esta união acaba, como fica a mulher?
 
A mulher que passou a ser ex-mulher, que passou a ser solteira, mas com uma conotação um tanto ou quanto negativa conferida pelo divórcio. Na mãe solteira, apela-se, quer queiramos, quer não, à pena ou, se preferirmos, à solidariedade e à mãe divorciada apela-se ao quê?
Uma mãe divorciada, embora não sinta que falhou enquanto mãe ou mulher, será sempre vista dessa forma pela sociedade. Não serão poucas as vezes que ouvimos comentários menos agradáveis sobre este assunto, ou seja, não havendo para esta sociedade um motivo credível ou palpável o suficiente que justifique um divórcio, tal como violência doméstica ou traição (e ainda assim, este último seria discutível), a mulher divorciou-se, porque quis, porque tem outro homem ou porque deixou de gostar do marido. Como se estes motivos não fossem tão válidos como quaisquer outros.
Uma mãe divorciada tem sempre mais a justificar, ainda que não tenha, à sociedade. Um pai apresenta-se como divorciado e o mundo continua a girar, uma mulher faz o mesmo e há sempre, vindo de qualquer canto, um olhar reprovador. Portanto, será justo dizer que este caminho é sempre mais difícil de ser percorrido por uma mulher.
 
Existe agora uma nova ligação ao ex-marido, aquele que já não amamos, mas que fará, para sempre, parte das nossas vidas, porque é o pai do nosso filho. Como se gere esta relação?
Embora o divórcio tenha sido o único caminho a seguir, haverá sempre alguma mágoa, algum ressentimento pela falha do relacionamento e muitas vezes a culpa dessa falha é colocada no outro.
Teremos que conseguir pôr de parte qualquer sentimento menos bom relativamente a essa pessoa em prol do bem-estar do nosso filho. Teremos que conseguir ser cordiais o suficiente para nos limitarmos às conversas que concernem à criança e não ultrapassar o limite daquilo que passará a ser a vida privada de cada um, agora que deixou de ser comum. Teremos ainda que gerir novas rotinas, novos horários. Teremos que estabelecer os dias de visita do pai, a guarda-conjunta ou partilhada e qual a casa que será a morada da criança.
 
Nem sempre esta nova gestão corre bem, o casal que já existiu no passado cada vez mais se distancia pela lógica do passo dado e, dessa forma, ainda que fosse de esperar que o entendimento fosse a reacção mais esperada, por vezes torna-se insustentável este novo relacionamento.
Sou mãe e sou divorciada e, apesar destas circunstâncias de vida não terem acontecido em simultâneo, sei que as mães divorciadas são aquelas que serão capazes de enfrentar o mundo, são as guerreiras, são aquelas que não aceitaram a condição de serem casadas e com filhos para que isso definisse o seu conceito de felicidade e decidiram arriscar. Arriscar o divórcio e a vontade de ser feliz outra vez. São aquelas que arregaçam as mangas e fazem o que for preciso para que nada falte aos filhos, seja a relação com o ex-marido pacífica ou não. São as mulheres que sabem que conseguem alcançar o que quiserem e que não se baseiam na aprovação ou reprovação de ninguém para justificar ou creditar as suas acções.
 
São as mulheres que se chorar for preciso, fazem-no sozinhas, no banho, enquanto a água cai e se mistura com as lágrimas.
Porque ninguém melhor do que elas, sabe o quão difícil um divórcio com filhos pode ser; o quão difíceis as noites em branco com o termómetro em punho, podem ser; o quão difícil é criar um filho desamparada, ainda que com um pai por perto.
Porque estas mulheres e mães sabem o poder e o valor que têm e acreditam piamente que dias melhores estarão para vir e esses, com certeza, serão os que irão prevalecer.


Artigo originalmente publicado no Repórter Sombra
 
 
 
 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

No meu tempo...



No meu tempo…

Sinto sempre alguma nostalgia, quando ouço esta frase, faz-me viajar para um passado não muito longínquo, que me traz tão boas memórias. No meu tempo, brincávamos na rua até tarde e bastava um grito das nossas mães para voltarmos para casa sem discussão, sem fincar o pé, sem desrespeito.
No meu tempo, comíamos batatas fritas da Matutano, Bollycaos e Galaks e isso era sinónimo de felicidade, nada mais, nada menos.
No meu tempo havia sempre um “Bolinha”, um “Texugo”, um “Rato” ou um “Piolho” na turma e ninguém se ofendia com isso. Aceitava-se, com um misto de orgulho e vergonha, a alcunha que tinha sido atribuída e seguíamos em frente.
No meu tempo, íamos a pé para a escola, encontrávamos o resto da turma pelo caminho e contávamos o que tinha acontecido no dia anterior.

O novo ano lectivo iniciou-se há uns dias e à semelhança dos anos anteriores era ver os estacionamentos das escolas cheios à pinha com os pais a lá deixar os filhos. A banalidade de ter transporte próprio, que não era tão comum anteriormente, tornou este processo corriqueiro, já que ninguém imagina o seu filho ou filha a ir a pé seja para onde for. Contudo, terá sido só a banalidade da coisa a contribuir para esta mudança?
Julgo que o contributo maioritário, infelizmente, terá sido o medo.
Ousarei dizer que os meus pais não tiveram medo por mim, quando me deixaram ir a pé para a escola, sozinha, quer fizesse chuva ou sol? Não, claro que não! Como qualquer pai certamente temiam por mim, mas a verdade é que a sociedade da minha altura, ainda que já a caminhar para a pobreza de gentes, era melhor. Ou, pelo menos, era menos exposta, que é como quem diz: “olhos que não vêm, coração que não sente.”

Havia raptos, roubos, violações e todas aquelas cenas horripilantes que fazem o coração de uma mãe ter pequenas arritmias só por pronunciá-las, mas o mundo dessa altura não tinha um Facebook Live que nos permite visualizar uma qualquer desgraça a ocorrer, até, do outro lado do mundo, em directo ou um canal de informação 24 sobre 24 horas em que para ouvirmos uma notícia feliz, ouvimos antes 30 infelizes, transformando o nosso cérebro neste lugar sombrio, escuro e perigoso, onde, maioritariamente, são registadas emoções negativas e inconscientemente ligadas aos nossos filhos.
O mundo evoluiu, é um facto, e essa evolução, ainda que com muitos pontos positivos, permitiu-nos também este acesso desmesurado à informação, que nos fez ter medo. Medo por nós, pelos nossos filhos, medo do mundo. E ainda que tenhamos a coragem de colocar crianças neste planeta, a forma como as queremos educar roça sempre bem ao de leve a educação efectivamente dada.

Nenhum pai quer, objetiva e propositadamente, que o seu filho não se saiba defender, que não saiba qual o número do autocarro para casa ou como utilizar o PBX da escola, que se intimide, porque foi chamado de menino do papá, ou que chore, porque se perdeu e não sabe pedir indicações,  mas quais serão as consequências da super-protecção dada a estas crianças em que todo e qualquer progenitor não faz mais, porque não pode, senão estas?
Todos queremos o melhor para os nossos filhos, dúvidas houvessem relativamente a esse assunto, e, por isso mesmo acabamos por criar uma geração de alienados da realidade e do mundo, porque, no fundo, optamos por educá-los super-protegidos, mas com a certeza, porém, que enquanto eles não trocam os passos pelas asas, controlamos o seu caminho.

 
 
Artigo originalmente publicado no Repórter Sombra
 
 


Só as mães sabem

Amar-te. É sentir saudades tuas todos os segundos, mesmo que estejas a meu lado. É ser irracional e querer cuidar-te sempre. Para sempre. Co...