quinta-feira, 21 de março de 2019

Agora quem fala são vocês #1 - Susana Correia-Galli


Já ouviram falar em educação domiciliar? Sabem o que é? Como funciona?
A Susana Correia-Galli tem 34 anos, viveu na Escócia durante muitos anos e há relativamente pouco tempo regressou a Portugal. Mãe de 4, com idades compreendidas entre os 10 anos e os 15 meses, ensina em casa e explica como se gere uma vida com 4 filhos.
Curiosos?
Vamos lá!

Como é o dia-a-dia de uma mãe de 4? 
Só posso falar do meu dia-a-dia, penso que isso muda de família para família e é uma coisa muito pessoal, especialmente para quem pratica a educação domiciliar, ou educação em família. Nós temos dias muito variados, então é difícil de falar de um dia típico, talvez seja mais fácil explicar uma semana típica: temos atividades extracurriculares para as crianças, sessões de voluntariado de permacultura num projeto educativo, encontros ou atividades com amigos e outras famílias em ensino doméstico, e também usufruímos das várias atividades culturais existentes em Lisboa. O ensino mais formal, normalmente acontece durante uma a duas horas de manhã, mas na verdade nós aprendemos o tempo inteiro!

Como se organiza a vida com 4 filhos pequenos?
Esta pergunta faz-me rir porque eu não sou muito organizada! Mas penso que o meu dia a dia, agora com quatro, não é muito diferente de quando só tinha um!
Tenho a certeza que se eles fossem à escola seria diferente! Mas assim, como fazemos a maior parte das coisas juntos e eles não andam em 3 escolas diferentes, a vida é mais simples! A maior diferença é na quantidade de roupa, comida e afins.
Em termos de gastos, justifico gastar um pouco mais na qualidade dos brinquedos, por exemplo, porque tenho o argumento de que vai passar por quatro crianças! Temos que ver as vantagens em tudo, certo?
Na comida, tento cozinhar algo que dê para aquecer, ou transformar numa outra comida.
Relativamente à roupa, tento fazer uma máquina todos os dias para não criar o caos, mas na hora de dobrar e arrumar, cada um é responsável pela sua! Tento encorajar as crianças - nem sempre com os melhores resultados - a serem responsáveis pelas suas coisas, e ao fim do dia arrumámos os brinquedos todos juntos, para começar de novo no dia seguinte.

Não trabalhar fora de casa foi uma opção ou necessidade?  
Foi uma opção, por termos tomado a decisão de fazer educação em família em vez de colocarmos as crianças na escola. Mas há uma coisa que acontece, especialmente em Portugal, e que me chateia um bocadinho; parece-me que há a ideia de que só famílias de classe alta é que podem fazer ED (educação domiciliar) o que não podia ser mais diferente da realidade! E porquê que isto me chateia? Primeiro, porque dá uma ideia falsa, e porque este estilo de vida está ao alcance de mais famílias, se assim o quiserem. É óbvio que não vem sem sacrifícios! O que me leva à segunda razão: ao perpetuarmos essa ideia falsa, desvalorizamos o imenso esforço, e também os imensos estratagemas, que as famílias arranjam de maneira a fazer o ensino doméstico sustentável economicamente.
Cada família arranja mil e uma maneiras de fazer com que isto seja possível, desde trabalhar a partir de casa, partilhar o tempo com pai e mãe, etc. Por exemplo, no nosso caso desde que o bebé nasceu, há 15 meses, que não temos carro, e não é por falta de vontade! 

Para quem não sabe, podes explicar melhor o que é a Educação Domiciliar?
Em Portugal, a lei descreve homeschooling como ensino doméstico. Basicamente, as crianças não frequentam a escola e recebem a sua educação formal no seio familiar. Depois, dentro do ED temos uma imensa variedade de filosofias e pedagogias que as famílias podem escolher: Unschooling, Charlote Mason, Waldorf e por aí adiante. Pessoalmente, eu não gosto de nenhum título, então defino-me simplesmente como ensino em família, até porque, grande parte da educação das minhas crianças acontece fora de casa! O que mais me agrada nesta escola, é que podemos escolher a abordagem que mais se adequa a cada família e/ou criança. 
 
Seres tu a ensinar os teus filhos em casa, foi propositado ou uma consequência da tua vida?
O ED foi uma escolha enquanto casal, depois de muita pesquisa e conversa! Como deves imaginar não é uma decisão que se tome com leveza!
 
Como reagem as pessoas ao saberem que eles não andam na escola, dita normal?
Com uma certa surpresa, perguntam se sou eu que ensino, mas em geral só têm sido reações positivas.

Quais as vantagens e desvantagens que encontras em ensinar em casa?
Ui! Quanto espaço temos?
Várias, tanto para um lado, como para o outro.
Para já, queria começar por dizer que não tenho nada contra as pessoas que colocam as crianças na escola, e que tenho imenso respeito pelos professores, especialmente do ensino público! No entanto, vejo sim, muitas desvantagens no sistema de ensino actual, daí ter escolhido outro caminho. 
A maior vantagem é de poder fazer uma abordagem de aprendizagem o mais direcionada, quanto possível, a cada criança!
Fui muito inspirada nos livros do Jonh Holt, principalmente "Learning all the time" e "How children learn" e no trabalho do Thomas Armstrong e no seu livro "In their own way", e depois um pouco mais tarde "Free to learn" do Peter Gray.
O sistema escolar actual assenta num sistema inventado pelos Victorianos, que se baseava na memória, portanto, as crianças ao saírem da escola teriam que ter uma série de conhecimentos memorizados, saber ler e escrever bem e fazer contas de cabeça. No entanto, a nossa sociedade hoje em dia é muito diferente da do sec XIX, ainda assim, o sistema não difere muito!
Hoje em dia, e há estudos a comprovar isso, a maior valorização que um jovem pode ter é ser criativo (e não é só a nível de artes, mas até a nível científico - a criatividade pode aplicar-se a qualquer área), empreendedor, ter iniciativa própria, capacidade de resolver problemas, etc, coisas que são completamente esmagadas por um sistema que anda à volta do teste, onde errar é punível com má nota! Para além disso, quem é que se lembra da matéria toda que perdemos horas e horas a fio a estudar? E para que serve isso hoje em dia, se podemos ter toda a informação que queremos na ponta dos dedos? 
A principal desvantagem, é que hoje em dia a sociedade não está estruturada para o ensino doméstico!
Uma outra desvantagem é que normalmente um dos pais acaba por passar muito tempo com as crianças, e apesar de eu adorar estar com as minhas crianças no dia a dia, a verdade é que é um trabalho muito duro no que respeita à gestão das coisas banais do dia a dia: comida, roupa, limpeza, etc, e dar toda a atenção que eu gostaria de lhes dar!
E claro, o facto de só contarmos com um ordenado! Há certas regiões do Canadá e dos EUA em que as famílias recebem dinheiro do estado e/ou materiais escolares, porque as famílias em ED poupam dinheiro ao estado, em termos de recursos educacionais e de saúde, pois tendem a ter menos doenças, especialmente das contaminosas.

Consegues controlar o uso de tecnologias dos teus 4 filhos?
Este, por acaso, é um dos temas em que tenho a minha opinião mais dividida e não muito clara!
Por um lado, eu quero que eles aprendam a manipular as tecnologias e se autorregulem no seu uso, tal como diz o ditado "o fruto proibido é o mais apetecido" e eu prefiro não criar tabus em nada; o Peter Gray, que eu admiro bastante, vai até ao ponto de comparar as tecnologias de hoje em dia como uma ferramenta tão importante para a nossa sociedade atual, como os arcos e flechas eram para os nosso antepassados, daí que não deveríamos limitar o seu uso, e vejo que as minhas crianças aprendem bastante com as tecnologias;  por outro lado, não gosto muito de os ver especados a olhar para um ecran, horas a fio (apesar de que, se isso acontecesse, me facilitava muito a vida!) e também vejo que as suas brincadeiras são influenciadas por aquilo que eles vê. Então tento criar um balanço, a limitar o tempo. Tentamos usar as tecnologias tanto para fins lúdicos como educativos, através de jogos, documentários, pesquisas, etc.
 
Do que sentes mais saudades da altura que não tinhas filhos?
Poder cozinhar o que bem entendesse, quando quisesse! De passar horas a ler, e não ter que responder a um milhão de perguntas durante o dia.

O silêncio incomoda ou agrada?
Ahahahaha!!! Contrariamente ao que se possa pensar, eu gosto muito do silêncio!!! Mas não há nada melhor que o riso de um bebé ou de uma criança, e o murmurinho da brincadeira harmoniosa entre irmãos.

Consegues tirar algum tempo para ti?
Quando não se tem família por perto, é muito importante ter o apoio, consideração e compreensão do nosso parceiro de aventura, como por vezes também o apoio dos amigos; mas principalmente as horinhas depois de eles irem para a cama, é o que me salva no dia a dia.

Como ficaram as relações de amizade desde que és mãe?
Tive a sorte de conhecer muitas pessoas maravilhosas e ganhar muitas amizades através da comunidade de homeschooling, tanto na Escócia como em Portugal, por isso eu acho que só fiquei a ganhar!
 
O que mais te assusta quando pensas no futuro dos teus filhos?
Sem sombra de dúvida, o meio ambiente e a incapacidade dos governos em lidarem com a situação do aquecimento Global!
 
 
 
 

 

sexta-feira, 8 de março de 2019

Filha minha que nasceste com uma vagina, sabes o que isso significa?


Minha filha, hoje, dia 08 de Março, assinala-se o dia da Mulher.

Sabes, ainda és pequenina para falar contigo sobre estes assuntos, mas, verás que, termos nascido com uma vagina entre as pernas, consegue tornar a nossa vida bastante difícil, por vezes.

Durante muito tempo não soube exatamente o que era o dia da mulher. Porque, à conta de um determinado grupo de mulheres que também não deveria saber o que a data assinalava, eu via este dia como o dia da desbunda. O dia de sair à noite, de ver strip tease, de roçar as nossas partes nas partes dos homens, apanhar uma valente cadela (com o tempo logo te explico esta expressão) e mostrar ao mundo que somos mulheres e somos poderosas, o que quer que isso significasse neste contexto.

No entanto, confesso que sempre me fez confusão que, para explicar ao mundo o poderio das mulheres, tivéssemos que ir sair e ver…homens…não sei, não me parecia a melhor forma de mostrar, sei lá, a nossa independência.

O tempo passou e, com idade suficiente, fui pesquisar sobre o assunto e descobri que esta data se assinala para homenagear a morte de 146 mulheres, que perderam a vida queimadas, em 1911, enquanto lutavam pelos seus direitos.

Sabes, filha, isto aconteceu há 108 anos, e como tal, deveria ser de esperar que tal já não se verificasse, que já não fosse necessário cerrar o punho para mostrar que também temos direitos, e que valemos tanto quanto os homens. Mas é…

Um dia, quando tivermos esta conversa, quero acreditar com todas as minhas forças que aquilo que é a realidade dos dias de hoje, seja somente uma memória distante de tempos passados.

Porque a verdade é que em pleno século XXI, depois de tantas e tantas lutas das nossas antepassadas, as mulheres continuam a ser vistas como um ser inferior, como alguém que nasceu com o específico papel de cuidar da casa e ter filhos. Alguém que só percebe de tachos e panelas e da lida da casa.
Os tempos mudaram, mas ainda não mudaram o suficiente.
 
Quero que saibas que o facto de teres uma vagina no meio das pernas, e não um pénis, te confere, de igual modo, a poder de decisão em relação à tua vida, às tuas escolhas.

Que o facto de teres uma vagina, não deverá querer dizer que ao vestires uma saia ou um decote, estarás “a pedi-las”.

Que o facto de teres uma vagina, não deverá querer dizer que irás ganhar menos 13% de salário que um homem em igual posição.

Que o facto de teres uma vagina, não te obrigue a seres mãe se assim não o entenderes.

Que o facto de teres uma vagina, não te faça sentir promiscua porque dormiste com os homens que te apeteceu, quando te apeteceu, ao contrário do homem que fez o mesmo e nenhum mal veio ao mundo, simplesmente porque nasceu com um pénis e não com uma vagina.

Que o facto de teres uma vagina não te classifique de incapaz ou menos inteligente que um homem.

Que o facto de teres uma vagina não te marginalize se escolheres amar outra vagina.

Que o facto de teres uma vagina não seja motivo para apanhares de qualquer homem que passe pela tua vida.

Que o facto de teres uma vagina, e se o entenderes, gerares uma vida, não seja justificação para o teu contrato de trabalho terminar com uma qualquer “justa causa”, ou que o teu ordenado sofra consequências por estares a usufruir daquilo que é teu por direito, esse mesmo direito que tantos anos levou a conquistar.

Que o facto de teres uma vagina, não signifique que aceitarás a ajuda do homem ou mulher que decidir partilhar a vida contigo, porque não é de ajuda que se trata, mas sim de divisão de tarefas.

Que o facto de teres uma vagina não te dê nem mais nem menos do que terias ou serias, se tivesses um pénis.

Porque sabes, meu amor, nunca se tratou de extremismos, de querermos ser mais que os homens ou superiores a eles. Sempre se tratou, e tratará, de sermos iguais, com todas as diferenças que nos tornam únicos.
Um dia teremos esta conversa, eu, tu e o pai.



Só as mães sabem

Amar-te. É sentir saudades tuas todos os segundos, mesmo que estejas a meu lado. É ser irracional e querer cuidar-te sempre. Para sempre. Co...