No
meu tempo…
Sinto sempre
alguma nostalgia, quando ouço esta frase, faz-me viajar para um passado não
muito longínquo, que me traz tão boas memórias. No meu tempo, brincávamos na
rua até tarde e bastava um grito das nossas mães para voltarmos para casa sem
discussão, sem fincar o pé, sem desrespeito.
No meu tempo,
comíamos batatas fritas da Matutano, Bollycaos e Galaks e
isso era sinónimo de felicidade, nada mais, nada menos.
No meu tempo
havia sempre um “Bolinha”, um “Texugo”, um “Rato” ou um “Piolho” na turma e
ninguém se ofendia com isso. Aceitava-se, com um misto de orgulho e vergonha, a
alcunha que tinha sido atribuída e seguíamos em frente.No meu tempo, íamos a pé para a escola, encontrávamos o resto da turma pelo caminho e contávamos o que tinha acontecido no dia anterior.
O novo ano
lectivo iniciou-se há uns dias e à semelhança dos anos anteriores era ver os
estacionamentos das escolas cheios à pinha com os pais a lá deixar os filhos. A
banalidade de ter transporte próprio, que não era tão comum anteriormente,
tornou este processo corriqueiro, já que ninguém imagina o seu filho ou filha a
ir a pé seja para onde for. Contudo, terá sido só a banalidade da coisa a
contribuir para esta mudança?
Julgo que o
contributo maioritário, infelizmente, terá sido o medo.Ousarei dizer que os meus pais não tiveram medo por mim, quando me deixaram ir a pé para a escola, sozinha, quer fizesse chuva ou sol? Não, claro que não! Como qualquer pai certamente temiam por mim, mas a verdade é que a sociedade da minha altura, ainda que já a caminhar para a pobreza de gentes, era melhor. Ou, pelo menos, era menos exposta, que é como quem diz: “olhos que não vêm, coração que não sente.”
Havia raptos,
roubos, violações e todas aquelas cenas horripilantes que fazem o coração de
uma mãe ter pequenas arritmias só por pronunciá-las, mas o mundo dessa altura
não tinha um Facebook Live que nos permite visualizar uma qualquer
desgraça a ocorrer, até, do outro lado do mundo, em directo ou um canal de
informação 24 sobre 24 horas em que para ouvirmos uma notícia feliz, ouvimos
antes 30 infelizes, transformando o nosso cérebro neste lugar sombrio, escuro e
perigoso, onde, maioritariamente, são registadas emoções negativas e
inconscientemente ligadas aos nossos filhos.
O mundo evoluiu,
é um facto, e essa evolução, ainda que com muitos pontos positivos,
permitiu-nos também este acesso desmesurado à informação, que nos fez ter medo.
Medo por nós, pelos nossos filhos, medo do mundo. E ainda que tenhamos a
coragem de colocar crianças neste planeta, a forma como as queremos educar roça
sempre bem ao de leve a educação efectivamente dada.
Nenhum pai quer,
objetiva e propositadamente, que o seu filho não se saiba defender, que não
saiba qual o número do autocarro para casa ou como utilizar o PBX da escola,
que se intimide, porque foi chamado de menino do papá, ou que chore, porque se
perdeu e não sabe pedir indicações, mas quais serão as consequências da
super-protecção dada a estas crianças em que todo e qualquer progenitor não faz
mais, porque não pode, senão estas?
Todos queremos o melhor
para os nossos filhos, dúvidas houvessem relativamente a esse assunto, e, por
isso mesmo acabamos por criar uma geração de alienados da realidade e do mundo,
porque, no fundo, optamos por educá-los super-protegidos, mas com a certeza,
porém, que enquanto eles não trocam os passos pelas asas, controlamos o seu
caminho.
Artigo originalmente publicado no Repórter Sombra
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