Já
ouviram falar em educação domiciliar? Sabem o que é? Como funciona?
A
Susana Correia-Galli tem 34 anos, viveu na Escócia durante muitos anos e há
relativamente pouco tempo regressou a Portugal. Mãe de 4, com idades
compreendidas entre os 10 anos e os 15 meses, ensina em casa e explica como se
gere uma vida com 4 filhos.
Curiosos?
Vamos
lá!
Como
é o dia-a-dia de uma mãe de 4?
Só
posso falar do meu dia-a-dia, penso que isso muda de família para família e é
uma coisa muito pessoal, especialmente para quem pratica a educação domiciliar,
ou educação em família. Nós
temos dias muito variados, então é difícil de falar de um dia típico, talvez seja
mais fácil explicar uma semana típica: temos atividades extracurriculares para
as crianças, sessões de voluntariado de permacultura num projeto educativo,
encontros ou atividades com amigos e outras famílias em ensino doméstico, e
também usufruímos das várias atividades culturais existentes em Lisboa. O
ensino mais formal, normalmente acontece durante uma a duas horas de manhã, mas
na verdade nós aprendemos o tempo inteiro!
Como
se organiza a vida com 4 filhos pequenos?
Esta
pergunta faz-me rir porque eu não sou muito organizada! Mas penso que o meu dia
a dia, agora com quatro, não é muito diferente de quando só tinha um!
Tenho
a certeza que se eles fossem à escola seria diferente! Mas assim, como fazemos
a maior parte das coisas juntos e eles não andam em 3 escolas diferentes, a
vida é mais simples! A maior diferença é na quantidade de roupa, comida e afins.
Em
termos de gastos, justifico gastar um pouco mais na qualidade dos brinquedos,
por exemplo, porque tenho o argumento de que vai passar por quatro crianças! Temos
que ver as vantagens em tudo, certo?
Na
comida, tento cozinhar algo que dê para aquecer, ou transformar numa outra
comida.
Relativamente
à roupa, tento fazer uma máquina todos os dias para não criar o caos, mas na
hora de dobrar e arrumar, cada um é responsável pela sua! Tento encorajar as
crianças - nem sempre com os melhores resultados - a serem responsáveis pelas
suas coisas, e ao fim do dia arrumámos os brinquedos todos juntos, para começar
de novo no dia seguinte.
Não
trabalhar fora de casa foi uma opção ou necessidade?
Foi
uma opção, por termos tomado a decisão de fazer educação em família em vez de colocarmos
as crianças na escola. Mas há uma coisa que acontece, especialmente em Portugal,
e que me chateia um bocadinho; parece-me que há a ideia de que só famílias de
classe alta é que podem fazer ED (educação domiciliar) o que não podia ser mais
diferente da realidade! E porquê que isto me chateia? Primeiro, porque dá uma
ideia falsa, e porque este estilo de vida está ao alcance de mais famílias, se
assim o quiserem. É óbvio que não vem sem sacrifícios! O que me leva à segunda
razão: ao perpetuarmos essa ideia falsa, desvalorizamos o imenso esforço, e
também os imensos estratagemas, que as famílias arranjam de maneira a fazer o
ensino doméstico sustentável economicamente.
Cada
família arranja mil e uma maneiras de fazer com que isto seja possível, desde
trabalhar a partir de casa, partilhar o tempo com pai e mãe, etc. Por exemplo,
no nosso caso desde que o bebé nasceu, há 15 meses, que não temos carro, e não
é por falta de vontade!
Para
quem não sabe, podes explicar melhor o que é a Educação Domiciliar?
Em
Portugal, a lei descreve homeschooling
como ensino doméstico. Basicamente, as crianças não frequentam a escola e
recebem a sua educação formal no seio familiar. Depois, dentro do ED temos uma
imensa variedade de filosofias e pedagogias que as famílias podem escolher: Unschooling, Charlote Mason, Waldorf e
por aí adiante. Pessoalmente, eu não gosto de nenhum título, então defino-me
simplesmente como ensino em família, até porque, grande parte da educação das
minhas crianças acontece fora de casa! O que mais me agrada nesta escola, é que
podemos escolher a abordagem que mais se adequa a cada família e/ou
criança.
Seres
tu a ensinar os teus filhos em casa, foi propositado ou uma consequência da tua
vida?
O
ED foi uma escolha enquanto casal, depois de muita pesquisa e conversa!
Como deves imaginar não é uma decisão que se tome com leveza!
Como
reagem as pessoas ao saberem que eles não andam na escola, dita normal?
Com
uma certa surpresa, perguntam se sou eu que ensino, mas em geral só têm sido
reações positivas.
Quais as
vantagens e desvantagens que encontras em ensinar em casa?
Ui!
Quanto espaço temos?
Várias,
tanto para um lado, como para o outro.
Para
já, queria começar por dizer que não tenho nada contra as pessoas que colocam
as crianças na escola, e que tenho imenso respeito pelos professores,
especialmente do ensino público! No entanto, vejo sim, muitas desvantagens no
sistema de ensino actual, daí ter escolhido outro caminho.
A
maior vantagem é de poder fazer uma abordagem de aprendizagem o mais
direcionada, quanto possível, a cada criança!
Fui
muito inspirada nos livros do Jonh Holt,
principalmente "Learning all the
time" e "How children
learn" e no trabalho do Thomas
Armstrong e no seu livro "In
their own way", e depois um pouco mais tarde "Free to learn" do Peter
Gray.
O sistema escolar actual assenta num sistema inventado pelos Victorianos, que se
baseava na memória, portanto, as crianças ao saírem da escola teriam que ter
uma série de conhecimentos memorizados, saber ler e escrever bem e fazer contas
de cabeça. No entanto, a nossa sociedade hoje em dia é muito diferente da do
sec XIX, ainda assim, o sistema não difere muito!
Hoje
em dia, e há estudos a comprovar isso, a maior valorização que um jovem pode
ter é ser criativo (e não é só a nível de artes, mas até a nível científico - a
criatividade pode aplicar-se a qualquer área), empreendedor, ter iniciativa própria,
capacidade de resolver problemas, etc, coisas que são completamente esmagadas
por um sistema que anda à volta do teste, onde errar é punível com má nota!
Para além disso, quem é que se lembra da matéria toda que perdemos horas e
horas a fio a estudar? E para que serve isso hoje em dia, se podemos ter toda a
informação que queremos na ponta dos dedos?
A
principal desvantagem, é que hoje em dia a sociedade não está estruturada para
o ensino doméstico!
Uma
outra desvantagem é que normalmente um dos pais acaba por passar muito tempo
com as crianças, e apesar de eu adorar estar com as minhas crianças no dia a
dia, a verdade é que é um trabalho muito duro no que respeita à gestão das
coisas banais do dia a dia: comida, roupa, limpeza, etc, e dar toda a atenção
que eu gostaria de lhes dar!
E
claro, o facto de só contarmos com um ordenado! Há certas regiões do Canadá e
dos EUA em que as famílias recebem dinheiro do estado e/ou materiais escolares,
porque as famílias em ED poupam dinheiro ao estado, em termos de recursos educacionais
e de saúde, pois tendem a ter menos doenças, especialmente das contaminosas.
Consegues
controlar o uso de tecnologias dos teus 4 filhos?
Este,
por acaso, é um dos temas em que tenho a minha opinião mais dividida e não
muito clara!
Por
um lado, eu quero que eles aprendam a manipular as tecnologias e se autorregulem
no seu uso, tal como diz o ditado "o fruto proibido é o mais
apetecido" e eu prefiro não criar tabus em nada; o Peter Gray, que eu
admiro bastante, vai até ao ponto de comparar as tecnologias de hoje em dia
como uma ferramenta tão importante para a nossa sociedade atual, como os arcos
e flechas eram para os nosso antepassados, daí que não deveríamos limitar o seu
uso, e vejo que as minhas crianças aprendem bastante com as tecnologias;
por outro lado, não gosto muito de os ver especados a olhar para um ecran,
horas a fio (apesar de que, se isso acontecesse, me facilitava muito a vida!) e
também vejo que as suas brincadeiras são influenciadas por aquilo que eles vê.
Então tento criar um balanço, a limitar o tempo. Tentamos usar as tecnologias
tanto para fins lúdicos como educativos, através de jogos, documentários,
pesquisas, etc.
Do
que sentes mais saudades da altura que não tinhas filhos?
Poder
cozinhar o que bem entendesse, quando quisesse! De
passar horas a ler, e não ter que responder a um milhão de perguntas durante o
dia.
O
silêncio incomoda ou agrada?
Ahahahaha!!!
Contrariamente ao que se possa pensar, eu gosto muito do silêncio!!! Mas não há
nada melhor que o riso de um bebé ou de uma criança, e o murmurinho da
brincadeira harmoniosa entre irmãos.
Consegues
tirar algum tempo para ti?
Quando
não se tem família por perto, é muito importante ter o apoio, consideração e compreensão
do nosso parceiro de aventura, como por vezes também o apoio dos amigos; mas
principalmente as horinhas depois de eles irem para a cama, é o que me salva no
dia a dia.
Como
ficaram as relações de amizade desde que és mãe?
Tive
a sorte de conhecer muitas pessoas maravilhosas e ganhar muitas amizades
através da comunidade de homeschooling,
tanto na Escócia como em Portugal, por isso eu acho que só fiquei a ganhar!
O
que mais te assusta quando pensas no futuro dos teus filhos?
Sem
sombra de dúvida, o meio ambiente e a incapacidade dos governos em lidarem
com a situação do aquecimento Global!
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